Eleições 2018: Intolerância, xenofobia e sectarismo

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Estamos saindo de uma eleição presidencial marcada por muitos extremos, conflitos e desentendimentos, desde a democratização nunca tivemos uma eleição presidencial marcada por tantos contrastes, confrontos aberto e intolerância, onde a violência se transformou em regra e a civilidade foi deixada de lado, estamos num momento de grandes descobertas e transformações, nossas decisões atuais nos ajudarão na construção de um país melhor, mais justo e inclusivo ou, regredimos de forma acelerada para a barbárie, onde o confronto se generaliza e os fins passam a justificar os meios.

Depois de sete eleições presidenciais, sendo que a maioria delas foi marcada por conflitos ideológicos e políticos entre dois partidos e visões diferentes de país, onde o Partido dos Trabalhadores (PT) foi vitorioso em quatro e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) saiu vencedor em outras duas, o confronto deste segundo turno mudou, sai da disputa os tucanos e ascende o, até então nanico, Partido Social Liberal (PSL), capitaneado pelo capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, carregando na bagagem um arsenal de ideias e pensamentos liberais, marcados pela privatização, abertura econômica e redução do papel do Estado na economia, um verdadeiro confronto de extremos.

O Partido dos Trabalhadores (PT) emerge como uma fênix e retorna para mais um segundo turno, os anos posteriores ao impeachment foram muito negativos para o partido, além de perderem grande espaço no cenário político depois das eleições municipais de 2016, o partido viu inúmeros quadros de destaque do partido serem presos ou processados por corrupção, dentre eles o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que mesmo preso foi o grande artífice da candidatura de Fernando Haddad, que ora disputa o segundo turno com o candidato Bolsonaro.

Neste clima de confrontos e de acusações variadas, marcado por Fake News nas redes sociais, onde a honra das pessoas é agredida diuturnamente como forma de denegrir, humilhar e gerar constrangimentos, onde o debate saudável e salutar é substituído por conversas superficiais e fúteis, é neste ambiente que as eleições brasileiras transcorrem.

Infelizmente, o país, neste momento de eleições presidenciais, perde uma grande oportunidade de discutir assuntos mais importantes e urgentes, dentre eles, é fundamental que discutamos os rumos da sociedade brasileira, o que queremos ser num futuro muito próximo? Quais os pontos fortes que temos e quais os pontos fracos que precisam ser repensados e reestruturados para que consigamos nos transformar em um país do futuro?

Todos sabemos que vivemos um momento único da sociedade brasileira, muitas das sujeiras estão vindo á tona, pela primeira vez políticos importantes estão sendo presos e condenados, empresários milionários estão sendo conduzidos de forma coercitiva e presos, o país está vivendo um momento de depuração e todos precisamos nos conscientizar, num primeiro momento a degradação precisa vir á tona para que possamos construir uma sociedade com bases mais sólidas e consistentes.

Embora tenhamos muitas coisas para comemorar, é fundamental que entendamos, que todo este processo demanda tempo e trabalho árduo, as mudanças virão mas ainda vai demorar um tempo considerável e a classe política percebeu que a população está de olho nos passos de seus representantes e não vai titubear em cobrar e exigir mudanças consistentes nos serviços públicos e na transparência no uso dos recursos pagos via impostos, taxas e contribuições, a sociedade civil está viva e exige mudanças generalizadas.

Neste clima de confrontos e enfrentamentos, percebemos que, muitos grupos são tomados pela intolerância e pelo sectarismo, colegas de sala, amigos de longa data, familiares e até casais de namorados estão se digladiando na defesa de seus grupos políticos e interesses ideológicos,  estas brigas geram uma forte desagregação social, as redes sociais contribuem para incendiar estes conflitos, muitas pessoas se escondem no anonimato, mentem e caluniam para constranger os adversários, distantes de um debate civilizado, marcados pela moderação e pelo bom senso, muitos se entregam ao extremismo e a violência.

Depois das eleições, os jornais trouxeram estampados nas páginas principais, o assassinato de um mestre de capoeira que ousou vestir a camisa de seu candidato a Presidência da República, que colocou a camisa estampando o 12 de Fernando Haddad e foi tomar uma cerveja em um bar próximo de sua residência, neste momento foi golpeado com cinco facadas e morreu no local, a intolerância mata mais uma pessoa no país, deixando em seu lar esposa, filhos, talvez netos, e amigos chorando pela sua memória.

Colegas que sempre se deram bem, que conversavam sobre futebol outros temas, e nestas conversas nunca se enfrentaram, passaram a se tornar inimigos, um defendendo suas ideias e renegando o pensamento do outro, o sectarismo é tanto que o meu pensamento é correto e o dos outros é equivocado, todos que discordarem de mim estará errado e deve ser punido, as bases do pensamento conservador, autoritário e intolerante repousa no Brasil, mas dá sinais claros de que seu período de hibernação se encontra próximo do fim, as bases da democracia está ameaçada e não apenas no Brasil, mas em vários países e regiões do mundo.

Enquanto outros países estão preocupados com os impactos da quarta revolução industrial sobre o emprego e o trabalho de uma forma geral, os brasileiros estão discutindo questões de gêneros, enquanto o mundo inteiro está discutindo os impactos das mudanças climáticas na sociedade, estamos discutindo medidas para liberar o porte de armas para que o cidadão possa se “defender” dos ataque de marginais, somos um país estranho, paradoxal e extremado, e como disse Tom Jobim: “O Brasil não é para principiante”

Neste ambiente, precisamos ter em mente que podemos e devemos discutir sobre todas as coisas, desde religião, futebol e até política mas, que tenhamos claros de que esta conversa deve ser marcada pelo respeito entre os indivíduos, muitos querem conversar e ao mesmo tempo, ambicionam em converter seu oponente, usam todas as suas armas para tentar doutrinar e, com isso, acaba gerando constrangimentos, brigas e ressentimentos, levando amizades antigas e estruturadas a naufragar nas águas do desentendimento.

Política é uma ciência fundamental para a sociedade, discutir sobre política, conversar sobre ideologias e analisar ideias fazem parte da democracia, o debate é algo inerente ao processo democrático e todos devemos estar conscientes desta conversa, agora, faz-se fundamental o respeito e a moderação, pois quando estas acabam a barbárie e a intolerância estão construindo as bases para o conflito, para a guerra e para a violência.

No Brasil contemporâneo percebemos que as divergências são imensas, o modelo de homem cordial defendido anteriormente se mostrou ultrapassado, somos um povo marcado pelo pensamento autoritário e conservador, nos anos anteriores percebemos que novos assuntos foram trazidos para o campo da política, grupos antes marginalizados e deixados a margem da sociedade foram incluídos e suas demandas foram incorporadas, gerando desconforto e sectarismo de outros grupos que se sentiram ameaçados, o campo da política é o único espaço legítimo e democrático para consolidar esta discussão e superar estes constrangimentos.

As eleições mostraram um Brasil mais conservador, a população está dando um recado claro para a classe política e para a sociedade de uma forma geral, muitos coronéis da política foram apeados do poder, desde oligarquias como a de José Sarney e Edson Lobão no Maranhão, até governadores que eram considerados fortes, influentes e invencíveis em seus estados, como Marconi Perillo e Beto Richa, perderam eleições consideradas fáceis, a população está dando mostras que cansou dos políticos tradicionais e quer um novo grupo político ditando os rumos da política nacional.

A intolerância existe e está sendo estimulado pelos dois lados da disputa, desde as provocações dos grupos à esquerda até as respostas dos grupos à direita, depois de uma eleição desastrosa em 2014, marcada por mentiras generalizadas e degradação da honra e da conduta pessoal do outro candidato, onde o vencedor foi “obrigado” pelas circunstâncias políticas e econômicas a adotar as medidas que sempre rechaçou e criticou quando foram adotadas pelos oponentes, com isso, percebemos que, mais uma vez, estamos deixando passar um momento crucial de discutirmos nossos verdadeiros problemas, os custos desta postergação teremos que discutir num outro momento de nossa história.

A política é importante, e refletir sobre tudo isto é fundamental, o brasileiro cada vez mais está se conscientizando da importância das questões políticas para sua vida cotidiana, desde os recursos que faltam para suprir as demandas em saúde, educação e segurança até a ineficiência das políticas públicas que são oferecidas pelo Estado, marcadas pela burocracia e pela inconstância, toda esta descoberta por parte da população deve ser comemorada, tudo é positivo e fundamental para que construamos um futuro melhor e mais igualitário.

Nesta situação, onde o debate se extrema e a violência cresce, levando pessoas a atitudes extremadas e autoritárias, faz-se fundamental que entendamos que para construir um país melhor e mais justo, que além do governo e dos governantes de plantão, é importante que todos os cidadãos assumam suas responsabilidades e aceitem participar ativamente desta construção, que exige esforços, dedicação, espirito crítico e paciência, pois um país melhor dificilmente será visto por esta geração, mas visitará o país num período de algumas décadas.

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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