Chico de Oliveira: ‘Não há lugar para propostas extremadas no Brasil’

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Amanda Massuela – 14 de maio de 2018

Nem tanto à esquerda, nem tanto à direita: para o sociólogo Francisco de Oliveira, 84, é preferível que se acerte um programa consistente de centro-esquerda para o país do que se iniciem “aventuras esquerdistas” por aqui. “Esse movimento de ida para o centro encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não tem mais sustentação social”, afirma à CULT em entrevista por e-mail.

Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e crítico tenaz dos governos Lula, Chico diz se identificar “com essa espécie de água com açúcar que é o PSOL”, partido que, em sua opinião, não será capaz de ocupar o lugar do PT dentro da esquerda brasileira.

“O PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil”, afirma o sociólogo, que admite ter menosprezado as direitas brasileiras ao afirmar, em 2015, que o impeachment não passava de “fogo de palha”.

Chico usa a mesma imagem para definir Jair Bolsonaro, ainda que o pré-candidato apareça em primeiro nas pesquisas eleitorais. Para ele, o deputado “se faz de extremista para poder entrar no jogo político”. “Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama”, diz.

O sociólogo, que recentemente teve seus ensaios reunidos na compilação Brasil: uma biografia não autorizada (Boitempo), não trabalha em novos textos – seu “xodó foi e continua sendo” o ensaio Crítica da razão dualista, com o qual se lançou à academia, em 1972. Nesta entrevista, ele comenta o cenário eleitoral, a ascensão de Bolsonaro e a organização do campo da esquerda.

CULT – Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2015, o senhor afirmou que a concentração da crítica em Dilma era “fogo de palha” e que a discussão do impeachment “não iria para frente”. Acredita que tenha menosprezado as forças de direita do país?

Chico de Oliveira – A gente sempre menospreza. Pelo menos quem está do lado de cá. Acho que eu subestimei a força da direita naquela ocasião.

O senhor também afirmou que a sociedade brasileira é “muito diversificada e não comporta uma direita extremada”. Como explicar, então, a popularidade de Jair Bolsonaro, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas em um cenário sem Lula?

Mesmo sem Lula ele não ganhará eleição nenhuma. O Jair Bolsonaro é uma espécie de fogo de palha. Ele parece ter uma estrutura capaz de levá-lo à Presidência, mas não tem. Ele é tipicamente o fogo de palha e vai fazer estrago só no primeiro turno.

Após a segunda vitória de Lula, o senhor escreveu que poderíamos estar assistindo a uma “hegemonia às avessas”: uma dominação burguesa “descarada” enquanto as classes dominadas tomam apenas a direção moral da sociedade. Não é possível imaginar um governo de esquerda, no Brasil, que fuja deste arranjo?

Não, não é. Não é possível porque o Brasil é a sexta economia mundial. Não se brinca com isso. A direita não está brincando com isso, e a esquerda não tem propostas. Quer dizer, o que é que se faz com a sexta economia mundial de um ponto de vista de esquerda? Nada. Não pode fazer. O Brasil é muito importante no cenário mundial para qualquer orientação esquerdista. Veja que todas as grandes orientações esquerdistas mundiais não naufragaram, mas converteram-se em fiadoras do capitalismo. É o caso da social-democracia europeia, sobretudo a social-democracia alemã, que deu as cartas para a esquerda não comunista durante décadas e hoje é indistinguível de qualquer partido de centro. O Brasil é uma grande potência. Como dizia Nelson Rodrigues, nós temos espírito de vira-lata – e não percebemos que o Brasil é a sexta economia mundial. Quer dizer, passamos a Itália e a Inglaterra. Se alguém muito pirado dissesse isso 50 anos atrás, ia logo para o hospício.

À CULT, em 2010, o senhor disse que “ao incorporar as lideranças dos movimentos sociais, o PT esvazia o potencial crítico e transformador desses próprios movimentos”. A mesma lógica se aplicaria à relação entre PSOL e Guilherme Boulos?

Mais ou menos. Eu até sou inscrito no PSOL, mas o PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil. Isto é uma sociedade de classe média poderosa, porque é a sexta economia mundial. Ninguém brinca com isso, nem à esquerda, nem à direita. O que o PSOL tem que fazer é permanecer crítico, mas sem tentar atrair para si forças que são completamente piradas. Não tem chance nenhuma de levar o Brasil para uma posição extremada. Seria um equívoco do PSOL. Eu sou inscrito no PSOL e não apoio isso.

Então, você pode perguntar: o senhor apoia a espécie de água com açúcar que é o PSOL? Apoio. Eu também sou água com açúcar. Não tem lugar para propostas extremadas. A sociedade brasileira não é uma sociedade subdesenvolvida com espaço para propostas do tipo que o PT fez no passado e não faz mais. É conformismo? Não. É melhor acertarmos um programa de centro-esquerda e sermos consistentes com ele do que tentarmos aventuras esquerdistas. O Brasil é muito sério, muito importante para a gente tentar propostas que não têm apoio social.

Um discurso extremado de esquerda ou de direita não cola. Isso a gente pode ver pela experiência internacional. O PT nasceu como uma espécie de social-democracia mais radicalizada. Ele foi indo para a direita, no sentido de uma social-democracia. O PT é o partido social-democrata brasileiro. O Fernando Henrique pensou que dar o nome de social-democracia ao PSDB converteria os tucanos em social-democratas. Mas não é verdade. Aí ele foi mau sociólogo. Ele foi bom político, mas mau sociólogo. Não existe essa história de você se deslocar nominalmente para a esquerda como uma social-democracia. Quais são as bases populares dos tucanos? Social-democracia não é um apelido, a social-democracia foi uma tendência das classes sociais no sistema capitalista, não fora do sistema capitalista. O que era fora do sistema capitalista eram certas reivindicações de Karl Kautsky, por exemplo, um grande político social-democrata dos séculos 19 e 20, um alemão que fez o aggiornamento [atualização] do marxismo para o centro. Ele é o grande ideólogo desse aggiornamento, que na verdade é uma “direitização”. Ele é o grande autor. Ele e o [Eduard] Bernstein, que foi um social-democrata importantíssimo. O Bernstein era desprezado pela esquerda.

Então, esse movimento de ida para o centro é um movimento que encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não, não tem mais sustentação social. O Brasil é uma sociedade ainda pobre, não está no nível da Europa ocidental, mas se aproxima. O consenso social é formado por uma grande classe média que dá apoio a propostas que eram da tradição socialista, mas não dá apoio à socialização dos meios de produção. Na grande tradição social-democrata, o que sobrou, com muita força, nos países da social-democracia ocidental, foram os direitos sociais. Mas nada além disso. A social-democracia foi muito avançada, mas não foi além disso.

As esquerdas parecem ter crescido em países nos quais “radicalizaram” suas pautas; é o argumento usado por Vladimir Safatle, por exemplo, para defender essa posição mais “radical” para a esquerda brasileira. É o caminho que deveria ser seguido por aqui?

O verbo talvez esteja bem aplicado. Deveria, mas não vai ser. Exatamente pelas razões que Safatle aponta. Não se chega a essa posição na economia mundial para ressocializá-la. Isso é excesso de otimismo. A questão é a seguinte: não foi a esquerda em termos partidários que se orientou para a direita, foi a sociedade. A sociedade não comporta mais os extremos de pobreza que o Brasil conheceu. Se você sair fazendo inquérito, todo mundo hoje vai se considerar de classe média. Isso é importante, porque dirige a opinião das pessoas quanto ao regime e ao sistema. De fato, não tem oposição ao capitalismo no Brasil. Nós somos muito parecidos, mas somos uma social-democracia subdesenvolvida.

Não é possível que haja uma renovação na política brasileira?  

Não, não é. Isso é otimismo. Não há nenhuma renovação no sentido de levar a sociedade e os partidos mais à esquerda, com a visão mais aberta, mais progressista. Pelo contrário, o risco é de uma maior direitização da política. Jair Bolsonaro não está aí à toa. Ele representa, de fato, embora partidariamente isso seja muito complicado, uma classe média majoritária que não quer saber de extremismos. Ele se faz de extremista para poder entrar no jogo político, porque ele não era nada. Ele é um ex-militar do Exército. E não tinha nada. Olhem nossos jornais de 30 anos atrás para ver se o nome do Bolsonaro estava lá. O do Lula já estava.

Bolsonaro representa de fato uma classe média. Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama. Ele é uma espécie de Trump brasileiro: arrogante e com propostas que são mirabolantes do ponto de vista do sistema. Quando chegou lá, o que é que o Trump fez? Esses políticos de extrema direita na verdade são idiotas, porque se o Trump pensa que pode modificar a economia dos Estados Unidos é porque ele nunca leu nada. O mundo gira em torno da economia dos Estados Unidos. Ele não pode fazer nada. Ele pode arrotar… e gogó todos nós temos. O Bolsonaro é um Trump brasileiro, evidentemente muito rebaixado, porque o Brasil não tem a importância dos Estados Unidos. Mas ele não vai fazer nada. Quando você tem uma proposta como essa, uma das coisas a reformar são os meios de comunicação. O que é que ele fará contra a Globo? É risível. Ele é um idiota. Perigoso, porque vai levar a sociedade, com a sua liderança, para posições perigosas. Ele não fará nada, entretanto. No discurso ele incita. Isso é perigoso. Mas ele, como o Trump, não fará essencialmente nada nesse sentido. Para isso, seria preciso mudar a posição do Brasil na economia mundial. E isso não tem ninguém que faça.

Para dizer de forma sociológica, a sociedade brasileira é de centro-esquerda. Ninguém quer a volta da truculência militar, mas também ninguém quer que a esquerda faça nada radical para mudar a estrutura das forças sociais no país. O Brasil realiza um programa social-democrata, com uma grande classe média, que está no centro do sistema. Ela não toma nenhuma medida radical. Por isso o Bolsonaro é só um extremismo eleitoral. Ele não tem substância nenhuma para uma mudança radical no Brasil. É tudo gogó.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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