As várias encruzilhadas de uma sociedade em constantes transformações

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Nossos últimos anos foram de grande apreensão, medos e escândalos políticos, com seus impactos econômicos gerando uma sociedade apática, assustada e, cada vez mais descontentes, com os rumos que o país está tomando e as perspectivas para os próximos anos, enquanto a sociedade mundial se prepara para mais uma crise econômica e financeira com resultados preocupantes e assustadores para os países da periferia, o Brasil ainda se encontra num turbilhão de mediocridade que nos gera uma desesperança intensa e contagiante.

Neste momento de campanha eleitorais, encontramos candidatos cheios de “boas intenções” fazendo discursos acalorados e sendo cortejados por variados setores da sociedade, desde industriais passando por sindicatos, encontramos inúmeros militares querendo comandar os rumos políticos do país, ambientalistas temerosos de uma crise ecológica, empresários descritos como esclarecidos, sindicalistas assustados com as mudanças no mundo do trabalho, intelectuais gastando seus recursos para tentar compreender para onde o país está se dirigindo e quais as perspectivas para os próximos anos.

O país vive um momento de grandes medos, as eleições se aproximam e todos sabemos da importância do voto embora, uma parcela relevante da população preferisse abrir mão de votar, pois acredita que seu voto não vai alterar nada nas condições de um país que vive mergulhado em uma situação econômica letárgica, onde as classes mais favorecidas lucram valores absurdos com a exploração da dívida pública e os mais pobres vegetam na indigência, na mendicância e na obscuridade, uma situação próxima do caos generalizado.

Os grupos empresariais, cansados de financiar a classe politica optam por uma nova estratégia e se embrenham de cara na eleição como candidatos a cargos públicos, os setores mais tradicionais da classe política se voltam para conseguir sua reeleição, continuando como representantes dos grupos sociais que sempre  representaram e ampliando suas bases de poder em suas comunidades, enquanto isso, as camadas mais pobres se voltam para seus problemas cotidianos, tais com: trabalho, contas, estudos, violências, instabilidades, medos e religião.

Vivemos uma fase de apreensão com a modernidade contemporânea, os modelos de família tradicional estão sendo destruídos e os indivíduos se assustam com a nova configuração nascente, em vez do modelo anterior encontramos variadas formas de família, com seus desafios, oportunidades e novas configurações, as mulheres ganhando mais importância e se empoderando e os homens diminuindo sua importância, perdendo status quo e centralidade, as famílias patriarcais perdem espaço para um novo modelo, mais democrático, dinâmico e condizente com a situação atual do mundo.

Diante destes desafios, esperamos a construção de uma sociedade mais aberta e dinâmica, onde os desajustes se reduzam e as oportunidades entre os indivíduos aumentem, abrindo novas chances para todos aqueles que almejarem novas carreiras e são dotados de grandes talentos como atores, dançarinos, escritores e atletas, além de novas oportunidades para todos aqueles que sonham com as carreiras tradicionais, como médicos, professores, advogados, economistas, engenheiros, agrônomos e administradores.

A educação deve acompanhar esta mudança, o mundo da tecnologia prescinde de pessoas que entendam de máquinas, equipamentos e novas tecnologias mas precisam ainda de homens e mulheres que saibam dominar os conhecimentos mais íntimos que trazemos dentro de nossa intimidade, se nos dedicarmos apenas ao mundo digital vamos, cada vez mais, nos tornarmos seres frios, calculistas, dotados de grandes conhecimentos em algoritmos, de cálculos e finanças e vamos nos perder nos sentimentos, na ansiedade, nos medos, na obesidade, na depressão e na desesperança generalizada.

A sociedade moderna precisa construir indivíduos mais equilibrados, mas para isso, precisamos falar de valores para nossas crianças, estamos deixando a televisão educar nossas filhos e estamos nos esquecendo de nossos deveres enquanto pais, sabemos que este desafio, na sociedade contemporânea, é bastante complexo e desafiador, mas só vamos conseguir construir uma nova sociedade se nos debruçarmos na construção de um homem novo, mais sensível, mais equilibrado, mais decente e honesto com relação a seus sentimentos e consciente de suas responsabilidades imediatas.

No Brasil atual estamos mergulhados em um imediatismo assustador, nossos projetos estão sempre sendo reduzidos ao agora, a educação se baseia em ideais utilitaristas, as profissões exigem dos profissionais formação complexa e integral, se recusando ao treinamento e a maturação do tempo, querem um profissional pronto e disponível durante as 24 horas por dia para o trabalho e o pior, querem que estes aceitam uma baixa remuneração e com poucas perspectivas de ascensão dentro da empresa ou organização.

As empresas brasileiras reclamam do governo, reclamam da classe política, se acreditam ética e moralmente responsáveis, sonegam impostos, fazem pagamentos suspeitos, corrompem fornecedores e, mesmo assim, acreditam ter uma forma de sucesso para tirar o país da crise, julgam necessário um pulso maior dos governantes, alguns defendem o retorno dos militares ao poder, como muitos fizeram nos anos sessenta e depois se assustaram com o monstro que criaram, o país se perde em pensamentos imediatistas e sonhos ridículos, um curso intensivo de história do país poderia auxiliar muitas pessoas a entenderem melhor nossa nação, nossos desafios, nossas heranças e as nossas perspectivas, somos um país novo, marcado por privilégios de poucos grupos sociais, adoramos louvar o que vem de foram e nos esquecemos de compreender a riqueza que temos em nosso interior, somos uma sociedade bastante paradoxal, somos ricos, complexos e bastante interessantes, mesmo tendo graves problemas e contradições fundamentais.

Somos descritos, por muitos, como um povo pacato e ordeiro, um país de veia empreendedora, os executivos e os jornalistas internacionais quando aqui residem se encantam com as facetas inovadoras da sociedade e dos trabalhadores, somos um povo criativo e com espírito empreendedor, embora tenhamos alguns traços obscuros que não queremos demonstrar em público, somos agressivos e nos odiamos em muitos momentos, em períodos de fúria nos matamos e lutamos defendendo ideias, teses e pensamentos conservadores, pouco respeitamos as minorias e adoramos retratá-los de forma depreciativa, somos um país paradoxal, nada temos de santinhos e muitos temos de diabinhos, somos na verdade seres humanos longe da perfeição que um dia almejamos ser.

Neste momento de indefinição, muitos acreditam que um salvador está a caminho, como filhos de portugueses estamos eternamente esperando Dom Sebastião, embora nosso futuro líder tenha se ausentado no final do século XVI, acreditamos que muito brevemente ele deve retornar para salvar o país da destruição em curso, se acreditamos em salvadores da pátria devemos esperar sentados, porque se ficarmos em pé vamos ter problemas físicos generalizados.

Nossas escolhas em outubro tendem a definir quais os rumos que queremos para nosso país, se estamos querendo abrir mão da liberdade acreditando que precisamos mesmo de segurança e pulso firme devemos pegar um caminho que se desnuda muito claramente, a grande indagação é saber, se estes que prometem uma sociedade mais segura tem mesmo a condição necessária de nos entregar o que nos propõem nas eleições, esta é uma pergunta que deve ser feita por todos nós antes de votarmos nas próximas eleições.

Outros propõem medidas mais suaves e reformas mais tranquilas, acreditam ou dizem acreditar, que precisamos de reforma na estrutura da sociedade, as chamadas reformas estruturais, e estas serão feitas ao seu tempo, nada de forma radical e no afogadilho, onde todos os grupos serão chamados a dar suas contribuições, uns mais do que outros, mas todos serão abordados e terão a oportunidade de colaborar, a grande pergunta que fica é: porque que, quando este grupo estava no poder não fizeram estas mudanças e, ao contrário, porque estando no poder se venderam aos grandes grupos econômicos do país em troca de uma governabilidade que levou a economia do país a ruína, com graves reflexos sobre as condições sociais da população.

Temos outros que se dizem modernos e trazem para a campanha os vermes mais antigos e traiçoeiros da política tradicional, pessoas acostumadas ao poder que fazem da política uma atividade profissional, se locupletando dos recursos e do poder do Estado, será que estes grupos terão condições de fazer as reformas que pregam se estão aliados e trazem a tiracolo o que há de mais atrasado, corrupto e mesquinho da política tradicional?

Neste ambiente encontramos mais dúvidas e preocupações, nossas capacidades de escolhas são limitadas, os candidatos que se colocam não representam os anseios da sociedade, as mudanças propaladas pela globalização e pelas novas configurações de poder da sociedade atual, está distante de chegar a política local, pouco renovamos da classe política e pagamos um alto preço por esta incapacidade de atrair pessoas capacitadas e honestas para este ambiente, a renovação tanto pedida nos parece distante e acreditamos que todo o sistema foi construído para não ter esta renovação, muito pelo contrário, este modelo foi construído para ter a perpetuação dos mesmos grupos dominantes, todos os novos que teimam em entrar são dissuadidos a abandonar ou são atraídos para este ambiente de pobreza moral e interesses mesquinhos, onde poucos dominam os rumos da sociedade, que aceitam sem reclamar e pouco compreendem sua força e importância estratégicas.

Os debates são momentos interessantes e oportunos para escolher seus candidatos para cargos do executivo, embora saibamos que muitas coisas são feitas para alavancar algumas candidaturas, o melhor dos instrumentos em momentos de eleição e propagandas políticas é o estudo sistemático da vida, das obras, das votações, das falas e dos pensamentos de seu escolhido, somente assim podemos nos desiludir menos no momento atual, sempre tendo a convicção de que o salvador da pátria não existe, nosso voto não vai mudar o país individualmente mas vai nos levar a conhecer um pouco mais os meandros da política, suas falhas e omissões mas, acima de tudo entender que, apesar dos equívocos da política, ela é uma das formas mais claras e clássicas de fazermos o bem e auxiliarmos os grupos menos favorecidos e os setores que vivem privações primárias.

Depois de uma eleição presidencial marcada por achaques, estelionatos e mentiras generalizadas, onde a ganhadora deixou de lado seu programa econômico e passou a adotar o discurso de seu maior rival, onde a presidente e candidata a reeleição faz um discurso de que a situação do país era favorável, enquanto todos os comentaristas econômicos destacavam um ambiente bastante diferente que a leva, ao se reeleger, a adotar de uma política fortemente restritiva, marcada por um ajuste fiscal rigoroso que conta com a nomeação de um economista liberal para o Ministério da Fazenda, tudo isto leva a política brasileira a perder sua credibilidade, onde as classes sociais, principalmente as mais frágeis financeiramente, são as mais afetadas e sentem na pele os custos do ajuste, aumentando o desemprego e reduzindo a renda, depauperando os grupos que anteriormente tinha acumulado ganhos econômicos consistentes.

São vários os desafios em curso na sociedade brasileira, alguns antigos que como não foram equacionados, se tornam cada vez mais prementes e exigem uma política consertada entre os grupos econômicos e políticos dominantes e outros desafios, mais modernos e que exigem uma nova consciência da sociedade e das classes políticas, estes nos parecem maiores, isto porque os grupos que dominam o Estado sabem que, ao encarar estes desafios estará abrindo espaços para o surgimentos de novos grupos sociais que, muitas vezes vão disputar a hegemonia social nos próximos anos, o Brasil tem, diante de si, obstáculos e desafios que podem definir os rumos de sua sociedade no século XXI, desafios imensos e fortemente complexos para uma sociedade que ainda não conseguiu se transformar, efetivamente, em uma sociedade sofisticada e emancipadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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