Violência, criminalidade e desgoverno no Brasil contemporâneo

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O Brasil novamente se encontro nas proximidades de mais uma eleição presidencial, desde a campanha de 2014, marcada por inúmeros contratempos e reviravoltas, o país está novamente no momento da escolha de seu novo presidente para o período 2019-2022, uma escolha difícil e marcada por inúmeras possibilidades assustadoras e perigosas, o grande problema desta eleição é que estamos mergulhados em uma das maiores crises políticas dos últimos anos e as perspectivas de melhoras passam pela eleição de um novo governo comprometido com a resolução dos problemas nacionais e com a construção de um novo modelo de sociedade.

Desde 2015 a economia brasileira vem desidratando de uma forma jamais vista, foram dois anos de quedas contínuas no Produto Interno Bruto, redução nos investimentos, queda no emprego, diminuição nos salários e na renda dos trabalhadores, com isso, os indicadores sociais pioraram de forma pouco vista, com quase 13 milhões de desempregados e milhões de trabalhadores subempregados ou na economia informal, a situação econômica do país está em franca deterioração, com impactos generalizados para todas as classes sociais mas degradando com mais intensidade os grupos mais vulneráveis que sem emprego perdem as perspectivas de sobrevivência digna e honrada.

Os dados recentes sobre violência, divulgados pelo IBGE,  são assustadores, somente no ano passado foram assassinados no Brasil mais de 63 mil pessoas, algo em torno de sete assassinatos por hora, estes números são mais agressivos do que os números de países em guerras ou em confrontos separatistas, são números que mostram todas as facetas de uma sociedade onde o contrato social não mais consegue estruturar e equilibrar todos os anseios da sociedade, com isso, os grupos corporativistas se fortalecem para defender seus interesses imediatos em detrimento dos interesses da sociedade de uma forma geral.

Na semana passada os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se concederam um aumento salarial de 16% que será repassado a todas as categorias do judiciário, com isso, os grupos que mais faturam vão incrementar seus contra cheques e o Poder Judiciário vai, novamente, estourar o teto dos gastos dos poderes da República, onerando as contas públicas e aumentando os problemas fiscais do país, mas isso pouco importa, o que vale mesmo são mais recursos para meu bolso e mais privilégios para a minha carreira.

Neste país que se degrada de forma acelerada, vemos o crescimento do crime organizado, o Primeiro Comando da Capital (PCC) se espalha para outros estados da federação e se estrutura para se disseminar por outros países, levando um modelo moderno de gestão e de recrutamento de membros, um verdadeiro case de sucesso para o empresário e o  empreendedor brasileiro, cada membro do grupo paga uma mensalidade de quase um salário mínimo em troca de segurança, proteção e novas oportunidades dentro da organização, um plano de carreira de fazer inveja a muitas instituições nacionais consideradas de sucesso.

                Com a recessão, o aumento da violência e da criminalidade, o recrutamento dos membros do PCC se torna mais rápido e fácil, inúmeros jovens e presidiários são atraídos para o grupo todos os dias, os batismos são marcados por juras e promessas de fidelidade que, ao não ser efetivadas, os infiéis são condenados a morte e ao desaparecimento num tribunal do crime implacável e agressivo, a Lei é inexorável, pecou a pena é a morte e não se tem mais como interpor novos recursos.

O mercado de trabalho no país se encontra devastado, a crise econômica, herança de uma política econômica voluntarista, detonou as perspectivas positivas criadas pelo governo Lula e condenou o país a uma situação de indigência econômica e degradação política, o país convive com uma classe política que pouco representa a população, a sociedade civil pulsa por mudanças, novos grupos surgem para debater ideias e conceitos até então deixados ao relento, o país vive um momento de grandes transformações e da desesperança podemos construir uma nova organização social, onde os grupos mais aquinhoados possam compreender que seus benesses econômicos e suas vantagens políticas não mais se sustentam em um país quebrado e uma sociedade marcada por grandes desigualdades que, numa situação extrema, comprometem a sobrevivência da sociedade e de todos os grupos sociais e políticos.

A corrupção se espalhou pela sociedade como o fogo se espalha com o estímulo da pólvora, esta corrupção que não é obra de nenhum partido político em especial, abrange todos os grupos políticos, como caixa dois de campanha ou como verbas não contabilizadas, os desvios aumentam e crescem enormemente, quando as construtoras estavam no centro do Brasil Grande, os corruptores eram os empreiteiros, quando estes perderam força com a diminuição das obras públicas nos anos 90, os empresários das comunicações ou das telecomunicações ganharam espaço e substituíram as grandes empresas da construção civil da atualidade, com o incremento das obras públicas, os empreiteiros voltam a tona para aumentar seus benesses em detrimento dos outros setores da sociedade.

Em pesquisa recente para a construção de um livro sobre corrupção intitulado “Dinheiro, Eleições e Poder”, o economista Bruno Carazza, destaca que, em seus estudos sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento, no começo dos anos 90, inúmeros nomes de políticos listados e investigados no esquema de corrupção, foram também investigados nas investigação em curso da Lava Jato, ou seja, um esquema recorrente que pouco pune, desacredita a Justiça e os tribunais superiores e contribuem para a perpetuação da impunidade.

A violência em curso na sociedade brasileira destrói as perspectivas para os próximos anos, as mortes de adolescentes batem recordes constantemente, nas favelas e morros cariocas aqueles que conseguem sobreviver devem ser vistos, efetivamente, como sobreviventes de uma guerra não declarada oficialmente mas intensa e cotidiana, famílias choram a morte de seus filhos todos os dias, os casos se repetem de forma avassaladora, dentre os que tombam nesta guerra sangrenta e desigual, os negros e pobres são as maiores vítimas deste genocídio cometido pelo Estado diretamente ou pelos grupos de destruição criados e mantidos por ex-policiais, as chamadas milícias, e pelos traficantes que se engalfinham no morro, atirando e destruindo vidas como se fossem coisas normais e corriqueiras da paisagem urbana das grandes cidades.

Segundo pesquisas a composição do Congresso Nacional brasileira é a mais conservadora desde o golpe de 1964, dentre os grupos conservadores mais fortes destacamos as bancadas religiosas, as bancadas dos ruralistas e dos militares, a chamada bancada da bala, estes parlamentares estão divididos em uma estrutura eleitoral que abriga 35 partidos políticos, uns partidos de aluguel, criados e mantidos para angariar o fundo partidário que, neste ano, vai distribuir mais de 1,7 bilhão de reais, dinheiro este que seria suficiente para melhorar os péssimos indicadores da educação fundamental do país que, ano após ano, perde espaço na prova internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o exame de PISA.

A violência está tão crescente na sociedade brasileira, que os crimes contra as mulheres dispararam, a intolerância, os medos e os desequilíbrios estão levando os homens a crimes degradantes com requinte de violência, matam da forma mais vil e violenta possível, destroem suas vidas em decorrência do empoderamento das mulheres e da dificuldade de lidar com a separação e as frustrações do término de um relacionamento, cometem crimes e degradam toda as relações familiares e sociais num claro exemplos de como estão os relacionamentos na sociedade líquida, descrita com maestria pelo grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

O Brasil precisa, na atualidade, de inúmeras mudanças estruturais, desde as tão faladas reformas na previdência, tributária e fiscal mas também uma grande reforma política que elimine estes desperdícios crescentes que vivemos e convivemos em nosso cotidiano, precisamos reformar nossas prisões transformando os detentos em trabalhadores que pagam para o Estado, um exemplo interessante existe no país no estado de Santa Catarina e deve ser seguido por outros estados da federação, precisamos melhorar nossas escolas e transformar o conhecimento em algo encantador, chega de levarmos a pecha de país do futuro e nos mantermos na ignorância e na indigência. É importante destacar ainda que, pela primeira vez, o país coloca na cadeia pessoas que ocuparam cargos de responsabilidade na hierarquia do Estado, desde um ex-presidente da república, um ex-presidente da Câmara dos Deputados, além de senadores, deputados federais e estaduais, além de ministros e empresários, falta ainda, avançar sobre as cúpulas do Judiciário e do setor financeiro, estes setores são de suma importância para a sociedade e dificilmente estarão imunes a degradação que toma conta da sociedade brasileira.

Os grupos sociais mais aquinhoados pagam fortunas para deixar seus filhos e descendentes em escolas caríssimas, gastam verdadeiras fortunas para educar seus rebentos, mal sabem que os modelos educacionais trabalhados nestas escolas foram criados e adaptados por pesquisadores e pedagogos considerados progressistas no campo educacional, desde Paulo Freire passando por Jean Piaget e Maria Montessori, ou seja, a elite paga fortuna para que seus filhos estudem em colégios caros para desenvolver a liderança, o espírito empreendedor, criatividade, autonomia, etc.   enquanto propõem ao Estado que concentre a educação pública em modelos militarizados, rígidos e hierarquizados, onde as regras de condutas são duras e, muitas vezes, violentas, com isso, criam trabalhadores que serão sempre cordeirinhos empregados de uma elite cada vez mais imediatista e interesseira, cujos interesses superam os interesses nacionais.

O lado bom deste momento de caos e desequilíbrio é que, pela primeira vez, a sociedade está começando a se olhar no espelho, começando a encarar seus medos e preocupações, a classe média sempre tão centrada em seus próprios interesses, agora para e começa a refletir sobre esta crise de humanidade que se abate sobre o país e como fazer para reconstruir a nossa nação, este exercício de reflexão pode trazer frutos positivos e abrir novos espaços de crescimento e melhoramento social, desde que entendamos que a educação que queremos para nossos filhos deve ser a mesma que desejamos para todos os outros meninos e meninas, as perspectivas positivas devem ser para todos, só assim conseguiremos consolidar uma sociedade que está se esvaindo na degradação e encontrar novos caminhos para o progresso humano e material.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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