Transnacionais, concorrência e cadeias globais de produção: novas realidades da sociedade internacional

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A globalização da economia mundial se intensificou com o final da segunda guerra mundial, neste momento os Estados Unidos da América se utilizam de seu poder econômico, político e militar, para construir uma nova sociedade, centrada no dólar, na democracia liberal e no aumento do comércio e da integração econômica entre as economias e as regiões do globo, este modelo de sociedade vem, nos últimos anos, perdendo espaço na economia internacional, o novo modelo ainda está centrado em definições, ansiedades e incertezas crescentes.

No pós segunda guerra, os Estados Unidos são os únicos em condição de assumir o controle da economia global, a Europa estava destruída pelo conflito, os países da Ásia também se viam envoltos em destruições, principalmente o Japão, que tinha sido vitimado por duas bombas nucleares e se encontrava em destruição avançada, fruto de uma guerra que teve vários impactos sobre a sociedade do país e a União Soviética, central na destruição dos nazistas, estava fortemente devastada pelo conflito, com mais de vinte milhões de mortos e imensa devastação de sua infraestrutura.

A reconstrução destes países é orquestrada com o Acordo de Breton Woods, onde surgiram três políticas centrais, a criação de instituições multilaterais – Banco Mundial (Bird), Fundo Monetário Internacional (FMI), Acordo Sobre Tarifas e Comércio e Organização das Nações Unidas (ONU), além do padrão Dólar Ouro e das taxas de câmbio fixas, todas estas políticas foram impostas aos países destruídos pelo conflito, deixando claro para a sociedade mundial que o poder e a hegemonia agora estavam nas mãos dos norte-americanas.

Destacamos ainda, que foi neste período que as empresas norte-americanas se expandiram para todas as regiões do mundo, a chamada internacionalização produtiva se inicia com o apoio do governo dos Estados Unidos, que patrocina investimentos internacionais em países parceiros e auxilia na expansão da estrutura produtiva baseada no modelo fordista de produção, tudo isso para consolidar o poderia econômico e político da potência americana.

O modelo fordista se baseava na forte especialização da produção, na produção em série, em grandes unidades produtivas, altos salários, grandes levas de funcionários, na queda dos custos individuais de produção e na expansão do modo norte-americano de viver, baseado no consumo, no lazer e na produtividade crescentes, gerando grandes e sólidas empresas, as chamadas empresas multinacionais (EMN), os Estados Unidos eram os donos do mundo, sua hegemonia era inconteste.

No anos 50 as maiores multinacionais eram as norte-americanas, com a reconstrução dos países europeus surgem as multinacionais europeias, depois as japonesas, posteriormente as coreanas, agora estamos assistindo as empresas chinesas e as indianas, mais uma vez percebemos, neste processo de expansão de empresas internacionais, a ausência das empresas brasileiras, que ainda carecem de forte penetração nos mercados internacionais, possuímos grandes e sólidas empresas mas estas apresentam baixa penetração nos mercados globais.

Pelo modelo que reinava na época a produção era local, as empresas se instalavam em um país, atraindo para a mesma região outras empresas fornecedoras de produtos e matérias primas, com isso, os investimentos eram imensos, a geração de empregos era bastante substancial e o incremento da renda da comunidade estimulava novos investimentos e novos empregos, dinamizando todos os setores produtivos da comunidade, neste período o sistema capitalista apresentou as maiores taxas de crescimento de sua história, período este que ficou conhecido entre os estudiosos como a Era Dourada do Capitalismo internacional, os lucros da empresas cresceram fortemente, os salários dos trabalhadores aumentaram e os governos arrecadaram uma grande quantidade de recursos, aumentando seus gastos e incrementando novas políticas sociais.

Este modelo, baseado no fordismo, foi dominante até o final dos anos setenta, quando a crise internacional do petróleo contraiu os ganhos dos setores empresariais, obrigando-os a novos investimentos em tecnologias, máquinas e equipamentos como forma de diminuir os custos de produção e, com isso, reduzir a dependência crescente dos trabalhadores e sindicatos, além de se fortalecerem diante das pressões dos Estados Nacionais.

Este modelo produtivo trouxe grandes benefícios para os trabalhadores, foi um período de ganhos crescentes para a classe operária, sua renda cresceu e sua condição de vida melhorou enormemente, seu consumo aumentou e contribuiu para novas oportunidades de empregos e políticas de empreendedorismo, que trouxeram investimentos em setores dinâmicos da sociedade, dinamizando a economia e gerando desenvolvimento econômico.

Para evitar as quedas nos lucros, os setores empresariais se mobilizaram para a redução dos custos, os investimentos crescentes em tecnologia abriram espaço para novos setores econômicos e produtivos, a informática e as telecomunicações cresceram e ganharam força dentro das economias, gerando novos investimentos, mobilizando recursos e incrementando os mercados, surgia assim a chamada Terceira Revolução Industrial, um momento de mudanças em inúmeros setores, entre eles destacamos um crescimento central dos setores de serviços, que passaram a ganhar espaço dos setores industriais, atraindo novos trabalhadores e ganhando relevância dentre de todas as economias.

Esta nova Revolução Industrial apresentava características diferentes das anteriores, o emprego passa a exigir dos trabalhadores uma formação mais generalista, a qualificação, antes pouco exigida, passa a se tornar uma exigência constante, o novo modelo prescinde de um trabalhador que execute várias atividades dentro de uma organização, os salários crescem de acordo com as qualificações dos trabalhadores, a produção não mais se concentra em um único local, mas se divide entre vários países onde, cada país se especializa em uma das etapas da produção, com isso, o novo modelo não mais se torna dependente de um único Estado e de seus trabalhadores, são vários países integrados na produção, dando as empresas um poder maior e uma influência central na escolha dos melhores mercados disponíveis.

Este modelo recebeu a denominação de cadeias globais de produção, as grandes empresas multinacionais ou transnacionais, que operavam nestes mercados, eram dotadas de grandes recursos, possuíam grande influência na economia global, possuíam ainda uma grande gama de empresas associadas, desde bancos, seguradores, financeiras, autopeças, universidades, centros de pesquisas, laboratórios, etc, formando grandes conglomerados internacionais.

As cadeias globais de produção se concentravam em vinte ou trinta países, se muito, sua produção era bastante flexível e dinâmica, as burocracias estatais eram evitadas e os países marcados por instabilidades ou conflitos de outras naturezas eram substituídos por outros, a exclusão destas cadeias geravam grandes prejuízos para os países e para sua estrutura tecnológica, com isso, os grupos inseridos se curvavam aos interesses dos donos do dinheiro.

Foi justamente a expansão deste modelo para outras regiões que abriu espaço para a disseminação do modelo produtivo para os países asiáticos, inicialmente, Coréia, Indonésia, Malásia, Cingapura e China, entre outros. Com esta expansão, estes países passaram por enormes transformações econômicas, políticas e sociais, impulsionando o capitalismo para toda a região, estes países possuíam ampla mão de obra barata e aceitavam ganhos menores para se integrarem ao modelo produtivo dominante.

Com o aumento dos custos produtivos nos países ocidentais, onde o custo da mão de obra aumentou enormemente, a opção pelos países asiáticos se mostrou um grande negócio, nestes países a população era muito carente, os indicadores de pobreza eram altos e a busca por sobrevivência levava estes trabalhadores a aceitar empregos com baixa remuneração, com isso, as empresas multinacionais aumentaram seus investimentos na região e reduziram sua expansão em seus países de origem, gerando fortes tensões internas e grandes investimentos nos mercados asiáticos com fortes lucros e grandes expectativas de negócios.

Uma das características imediatas nos países desenvolvidos do ocidente foi a migração de empresas para os países asiáticos, gerando um incremento no desemprego nos setores industriais, obrigando os setores de classe média a busca de novos empregos, muitos deles com remuneração mais baixa e com condições mais desfavoráveis, o resultado deste fenômeno foi uma degradação das condições de vida desta classe média.

Este fenômeno contribuiu para o aumento da desindustrialização dos países capitalistas avançados, suas empresas migraram para regiões onde a mão de obra era mais barata, Ásia e América Latina e, posteriormente, a Europa do Leste, o interessante desta equação é que a produção industrial produzida na Ásia era exportada para os países de origem destas empresas, contribuindo para o incremento dos déficits externos e, com isso, aumentando suas dívidas públicas internas e com a redução da renda agregada destes trabalhadores, piorando os indicadores sociais dos países avançados.

O incremento de investimentos em novas tecnologias no começo do século XXI se apresentou como uma grande necessidade destas empresas, uma questão clara de sobrevivência, afinal, com o capitalismo globalizado, os investimentos em tecnologia e capital humano eram as formas mais seguras de se manter nos mercados internacionais. Surgem novos setores e empresas, tais como Facebook, Google, Amazon, Airbnb, Uber, entre outras, com novas exigências, demandas, necessidades e oportunidades, exigindo de todos os trabalhadores e empresas uma constante reinvenção, flexibilidade e agilidade.

De uma época para outra surgem novas empresas e setores com grande potencial de crescimento, empresas como o WhatsApp, responsável por pouquíssimos empregos diretos são negociadas por valores astronômicos, US$ 24 bilhões, valores estes muito maiores que empresas tradicionais que geram milhares de empregos e estão alicerçadas na economia e na sociedade destes países a muitos e muitos anos, uma verdadeira revolução.

Um outro exemplo impactante, a Netflix, empresa provedora de uma plataforma de streaming, possui atualmente mais de 125 milhões de assinantes no mundo todo e apresenta valores de mercado de mais de US$ 170 bilhões, valores estes superiores a empresas tradicionais como a Petrobrás ou a Vale que, juntas, geram milhares de empregos na estrutura econômica.

De um modelo baseado na especialização passamos para um modelo mais generalista, de um trabalho mais conservador e inflexível passando para um modelo mais dinâmico e flexível, de uma economia mais manual e analógica passamos para uma economia digital e robotizada, nestes novos modelos encontramos muitas incertezas, instabilidades e apreensões que culminaram em novas doenças e desajustes emocionais, espirituais e psicológicos com incremento no estresse, nas patologias e, nos casos mais graves, suicídios.

Estas empresas transnacionais concentram grande poder nas economias e mercados do mundo contemporâneo, sua capacidade financeira e seu poder tecnológico garantem uma grande força nas negociações com governos locais e blocos regionais, em acordos de investimentos estas empresas ganham subvenções fiscais e isenções tributárias crescentes além de infraestrutura material, cabendo a elas apenas o recrutamento dos trabalhadores e a efetivação dos investimentos, seus oligopólios globais enfraquecem a concorrência internacional e garante a elas forte capacidade de influência nos mercados.

Recentemente percebemos novos movimentos nestes mercados, as novas tecnologias baseadas na inteligência artificial, na internet das coisas, nas biotecnologias,  na internet das nuvens, na computação quântica, na impressão 3D, entre outras, estão gerando novas transformações neste modelo econômico produtivo, obrigando os países e as empresas a se adaptar ou correm o risco de serem expurgadas do mercado, com prejuízos devastadores.

Neste novo modelo nascente, percebemos a possibilidade de empresas saírem de países periféricos e retornarem a seus países de origem, este movimento pode se viabilizar porque estas empresas transnacionais globais geram poucos empregos e com estas novas tecnologias estão gerando menos empregos ainda, seu retorno aos países centrais pode ser estimulados pelas redução de impostos em curso, medida iniciada pelo atual presidente norte-americano Donald Trump, além de serem seduzidas pelos sentimentos nacionalistas e protecionistas que crescem e ganham força e relevância na economia internacional.

O novo modelo em curso na sociedade global é fortemente centrado em automação e tecnologias digitais, os avanços na produtividades são visíveis, os custos de produção estão se reduzindo, os desafios deste modelo são inúmeros, alguns internos e outros externos, que dependem de uma nova macroestrutura internacional, tais como a degradação do Meio Ambiente, os avanços das imigrações, o crescimento da concentração de renda, dentre outros.

O modelo que está sendo construído na economia contemporâneo é baseado e intensivo em tecnologia, em máquinas e equipamentos fortemente robotizados, a inteligência artificial que antes era apenas uma distante possibilidade, na atualidade já está se materializando em todas as regiões e países, seus impactos são bastante interessantes, geram um incremento da produtividade global, aumentam a produção e incrementa os ganhos das grandes empresas e conglomerados mas, ao mesmo tempo, tem um forte impacto concentrador de renda, aumentando as desigualdades e a concentração de renda da sociedade mundial, os dados revelados recentemente nos mostram que, em 2017, 82% de toda a riqueza internacional criada ficou concentrada nas mãos de apenas 1% da população global, com isso, percebemos que apenas 18% desta riqueza ficou com 99% da população de todo o globo terrestre, estes dados nos mostram quão caótico esta o mundo contemporâneo, criamos riqueza e as concentramos nas mãos de poucos em detrimento de uma grande maioria que vive, ou melhor, sobrevive, na indigência, pobreza e indignidade, um verdadeiro caos generalizado.

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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