Os Estados Nacionais frente ao poder das grandes corporações globais

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A economia internacional vem passando por transformações das mais intensas nas últimas décadas, com elas estamos percebendo um fortalecimento do poder das grandes corporações globais e uma redução considerável da força dos Estados Nacionais, criando conflitos intensos entre os mercados e a democracia, fragilizando os governos e colocando em risco todo o sistema político institucional.

Nos anos recentes, os intelectuais, os jornalistas e os teóricos da ciência política estão levantando dúvidas referentes aos rumos que a democracia vem tomando nas mais variadas regiões do mundo, gerando grandes inquietações, medos e inseguranças na sociedade e levando ao acirramento dos ânimos entre grupos políticos e interesses econômicos, levando muitos setores a refletir sobre o enfraquecimento dos modelos de democracia vigentes.

Nesta crise ou dificuldade da democracia, percebemos que os Estados Nacionais estão perdendo espaço e estão vendo seu poder ser solapado pelo crescimento de outros setores econômicos e outras forças sociais novas e cuja força ainda é pouco compreendida pela sociedade, como as redes sociais que crescem e ganham espaço na sociedade global.

Se antigamente os Estados eram os grandes orquestradores das estratégias globais e das políticas de desenvolvimento, na atualidade as empresas, ou melhor, os grandes conglomerados econômicos estão ganhando espaços e poderes dentro do sistema econômico e produtivo, suplantando os Estados e definindo as regras de consumo, de produção e de acumulação, tornando-se o grande agente da organização social.

No pós-segunda guerra mundial, os Estados Nacionais eram os grandes atores das políticas e da estratégia de desenvolvimento, foram estes que construíram as regras e a institucionalidade, estimularam a expansão das empresas nacionais criando as chamadas multinacionais, foram deles também a estruturação das regras e dos comportamentos dos setores produtivos, organizando os trabalhadores e os sindicatos e disciplinando a atuação das empresas internacionais, criando acordos, parcerias e tratados entre países e regiões.

Este poder perdurou durante muitas décadas, colocando estes Estados em um papel central na coletividade, utilizando das políticas públicas para estimular, desenvolver e organizar as estruturas sociais, flexibilizando políticas econômicas em momentos de crise e expandindo políticas sociais em momentos de desequilíbrios entre os grupos sociais e políticos.

Com a ascensão dos atores privados, estimulados pelos Estados Nacionais, principalmente o norte-americano, as empresas iniciam um processo de expansão constante na economia internacional, levando para as outras regiões do mundo seus produtos, bens e mercadorias, além de disseminar o modelo de produção dominante, a língua, a moeda, as instituições, os gostos e os costumes, criando uma nova hegemonia no cenário internacional.

As primeiras grandes empresas, as chamadas multinacionais, são oriundas dos Estados Unidos, depois começam a surgir empresas da Europa, principalmente Alemanha, logo após surgem as grandes empresas japonesas e colocam as empresas asiáticas no radar, sendo seguidas pelas sul-coreanas e, na atualidade as chinesas e as empresas indianas.

Com a ascensão destas empresas, os Estados Nacionais começam a perder a centralidade, embora os Estados ainda sejam dotados de poderes importantes e seu controle continue sendo motivo de muitos conflitos, podemos destacar que as empresas passam a controlar a sociedade e, muitas vezes, a impor seus interesses e sua agenda sobre estes Estados, o que fragiliza a democracia e cria espaços para dúvidas e incertezas.

A ascensão das empresas multinacionais estimula uma difusão, em escalas globais, de uma cultura fortemente centrada em interesses econômicos e financeiros, estas empresas passam a ditar o comportamento das pessoas, as roupas que serão vestidas, os produtos consumidos, os filmes e os programas de televisão e das mídias em geral e dominam as estruturas sociais, estimulando fortemente o consumo e transformando os produtos em necessidades inadiáveis, impulsionando o consumo e a produção globais.

Entre 1950 e 1980, os Estados Unidos reinam sozinhos nesta economia internacional, impõem sua moeda, seus filmes, seus hábitos de consumo e sua vestimenta, criando um mundo a sua imagem e semelhança, com isso, novos mercados para suas empresas e expansão de suas bases culturais, hegemonizando o inglês e fortalecendo o dólar no cenário mundial.

Neste período, o Estado Nacional teve um papel central, estimulando as economias locais, expandindo crédito, disseminando princípios e investindo em capital humano, com isso, inúmeros países conseguiram se desenvolver e outros deram grandes passos em busca de um desenvolvimento, dentre eles o Brasil, cuja economia no início dos anos 1980 era a mais diversificada dos países emergentes, segundo informação extraída dos relatórios do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Nestes momentos, os Estados subsidiavam os investimentos, abriram portas para as empresas nacionais, concederam empréstimos subsidiados e auxiliaram no desenvolvimento de tecnologias, política esta existente até os dias atuais, com incentivos perpétuos para as pesquisas e treinamento e capacitação para a consolidação de mão de obra para melhorar os produtos e garantir novos mercados e retornos crescentes.

Com a desagregação da União Soviética e a debandada destes países para o capitalismo, as empresas passam a investir nas antigas regiões socialistas, aumentando a produção, construindo novas fábricas nestes locais e aos poucos, transferindo para o exterior as estratégias de produção e investimentos, reduzindo o poder da matriz e impulsionando novos modelos de produção, consolidando o modelo de produção flexível ou cadeias globais de produção, que passa a substituir o até então dominante modelo fordista.

A nova estratégia impacta diretamente sobre estes países, gerando consequências imediatas sobre a população e sobre seus Estados Nacionais, com as empresas se expandindo para novas regiões os empregos passam a ser criados em outros países, deixando um incremento no desemprego e um rastro de fragilização dos trabalhadores, que perdem renda e veem seus recursos sendo diminuídos de forma acelerada, gerando preocupações, medos e incertezas.

Os Estados Nacionais atuaram diretamente no fortalecimento das empresas locais, vendo neste fortalecimento, uma forma de angariar recursos econômicos e trazer estes para suas economias, gerando impostos maiores e uma maior peso político para estes países no cenário internacional, garantindo benefícios indiretos para toda coletividade.

Outro ponto importante que devemos destacar, os Estados desenvolvidos, principalmente, foram muito fortes no estímulo aos setores produtivos, produzindo tecnologias e as transferindo para empresas privadas, estes fatos são amplamente conhecidos e estão registrados em varias obras, onde destacamos O Estado Empreendedor, de Mariana Mazzucato. Nesta obra, a economista italiana destaca inúmeros produtos e tecnologias que foram desenvolvidas por entidades públicas norte-americanas, como a NASA – Agência Espacial Norte-Americana.

O mais interessante nestes investimentos, muito bem relatados no livro acima, é que os Estados Nacionais atuam diretamente na construção de modelos de negócios e no desenvolvimento de produtos, bancando pesquisas caríssimas e pesquisadores renomados e quando estes fazem descobertas interessantes, as empresas privadas entram no negócio, patenteiam os produtos e vendem nos mercados, garantindo retornos crescentes para estes agentes que fizeram poucos investimentos em detrimento dos gastos públicos, ou seja, a grosso modo, socializa-se os prejuízos e os lucros são privatizados, garantido alta lucratividade ao capital privado.

Neste novo ambiente global, a ascensão das grandes empresas acaba impactando diretamente sobre as economias, reduzindo o poder dos Estados Nacionais e criando novos e perigosos constrangimentos para os sistemas democráticos reinante nos países. Como as corporações são mais fortes financeiramente do que muitos Estados Nacionais, estas passam a ditar os rumos das sociedades, controlar a lógica política, elegem representantes e influenciar os atores políticos, estimulando políticas e criando incentivos variados, garantindo o fortalecimento de seu poder econômico e a manutenção de seus privilégios, muitos deles obtidos através de isenções fiscais e tributárias, cujos recursos poderiam ser investimentos em melhoras e benefícios para a sociedade.

O poder econômico está dando a estes conglomerados uma força política até então inexistente, sua força se estrutura em seu peso econômico e seu poderio financeiro, garantindo a seus executivos encontros privilegiados com governantes dos mais variados matizes ideológicos, influenciando na política local e desequilibrando o jogo democrático dentro dos países.

Os donos do poder controlam as estruturas da economia mundial, dominam os grandes conglomerados, comandam as mídias, as farmacêuticas, as empresas de alimentos, as produtoras de carros e de aparelhos eletrônicos, as varejistas e estão presente na vida e na cultura de todos os países e regiões, dominando mentes, influenciando emoções e controlando os corações.

Os Estados Nacionais perderam, com este novo modelo de produção, baseado nas cadeias globais, a capacidade de tributar estes conglomerados, quando tentam impor a estas empresas uma tributação mais austera, estas migram para outros países, os chamados paraísos fiscais, cuja tributação é reduzida e as exigências são bastante limitadas, obrigando os Estados Nacionais a reverem os modelos tributários mais agressivos.

A situação descrita acima está gerando grande deterioração nas democracias, estas empresas estão no centro de muitas irregularidades, desde a compra de parlamentares até o pagamento de propina para autoridades públicas e funcionários governamentais, que usam seu poder para angariar benesses financeiras e privilégios em detrimento da população.

Neste ambiente, percebemos o crescimento das ideias liberais, descritas como mais racionais, estas teorias pregam a inviabilidade das empresas estatais e a posterior privatização, percebemos ainda, que estas empresas e estes empresários que defendem as políticas liberais estão, na maioria das vezes, por trás das empresas e dos conglomerados que sonegam impostos e atuam diretamente para fragilizar estas empresas públicas e, num momento posterior, adquirir estas empresas a preços reduzidos e em condições privilegiadas.

Os grandes conglomerados dominam a economia internacional, controlam os fluxos financeiros e seguem uma política de oligopolização crescente das cadeias globais de produção, recentemente fomos surpreendidos com o anúncio da parceria entre a Volkswagen e a Ford, outra parceria neste mercado que tende, se for efetivado, a criar o maior produtor mundial de carros, juntando FIAT Chrysler (FCA) com o consórcio Renault, Mitsubishi e Nissan, esta é a tendência global, a junção de empresas e o fortalecimento dos grupos em detrimento do poder dos Estados Nacionais que definham rapidamente.

Embora saibamos que toda esta junção de empresas é uma tendência global que afeta todas as economias do mundo, temos que compreender que os Estados Nacionais de países desenvolvidos são menos afetados por esta novidade, pois são mais fortes e consolidados e suas populações estão mais capacitadas para compreender estas mudanças e se preparar para estas políticas, em contrapartida, os Estados Nacionais de países mais frágeis ficam fragilizados e perdem espaço e poder perante estas organizações e veem sua população em condições degradantes e marginalizadas na economia internacional.

Neste cenário, o controle dos grandes conglomerados econômicos e financeiros significa o controle das finanças sobre a política, significando ainda, a predominância do dinheiro sobre a democracia, neste ambiente de incertezas onde as decisões não são mais baseadas em eleições e em discussões políticas nos parlamentos ou nos congressos nacionais, mas em conselhos de administração, onde os lucros são os instrumentos mais importantes e desejáveis no momento das decisões estratégicas, mesmo que estes lucros sejam produzidos sobre a pilhagem e a exploração de pessoas e grupos sociais variados, o que vale é o lucro.

Diante disso, o cenário é nebuloso e as perspectivas são preocupantes, para enfrentar esta situação perigosa, faz-se necessário uma atuação conjunta em prol de uma consolidação da democracia de países como o Brasil, um fortalecimento dos Estados Nacionais e uma política de desenvolvimento que pense o país nos próximos cinquenta anos, deixando de lado as políticas anteriores que se restringiam a pensar a sociedade para o próximo mês ou, no mais tardar, no próximo ano.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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